domingo, 28 de março de 2010

Dear Otto...

Engraçado... sempre começo a escrever contando sob que condições escrevo. Pois bem: escrevo-te fora de casa. Não é algo que necessariamente me causa incomodo, contudo, aí não deixa de estar. A sensação amanhã estará certamente esquecida, se já agora não estiver. Fica então o registro. Nossa casa está, nesse momento, inacessível.
Ocorreu-me ainda há pouco Dom Casmurro. Não a obra em si, talvez nem o trecho propriamente, porém o que ele me fez sentir. E o que é a obra senão isso? No trecho, Bentinho, que voltava de um encontro com Capitu, é chamado por um vizinho. Este avisa-o que seu filho, de certo modo amigo de Bentinho, acabara de morrer. A reação do rapaz seria a mais indiferente possível, não fosse o ódio que o toma quase que incontrolavelmente. ÓDIO. Como aquele homem poderia ter interrompido daquela forma seus sentimentos? Como interrompera, logo com aquela notícia, uma notícia de morte, a morte de um leproso, às lembranças tão bonitas e o amor que trazia consigo?! ÓDIO.
Lembro-me como me assustei com aquela demonstração de frieza, de egoísmo. É fácil chorar pelos outros, chorar os mortos alheios, se você pode gargalhar quando voltar pra casa. E eu também sou assim. Quanto ÓDIO já tive por ter minha felicidade interrompida pela dor dos outros, fosse ela qual fosse. Muito mais me entristecia o fato de ter que fazer-me triste quando eu não estava. O sofrimento, a partida e a ausência: nada me comovia. O que temi realmente foi a possibilidade de interromper minha vida, de atrapalhar o meu quotidiano com o fingimento de uma dor, como se de fato a sentisse. A preocupação era ver minha vida atrapalhada por uma outra, estivesse ela acabada ou não.
Escrevo essas palavras enquanto olho para uma imagem de Jesus, que de punhos marcados, acompanha ironicamente a frase: Jesus é Vida. Sei do sacrifício pela humanidade e me pergunto se Deus, assim como Jesus, que teve medo, sentiu-se abandonado, não teria igualmente qualquer tipo de sentimento humano, sendo Eles apenas Um.  Arrependimento? Porém, de quê teria Deus, que tudo sabe, tudo vê? Um Deus que até com uma rato esmagado consegue me esmagar. É muita pretensão, realmente.
Agora talvez bem mais que antes, você pense que sou cruel, esquecendo-se que a crueldade muitas vezes é quase uma necessidade, uma forma infeliz e gritante (de um rasgante sonoro) de manter-se de pé até quando não é mais possível.
Espero não tê-lo convencido de nada disso. Eu sei que parece o que não se diz.

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